domingo, 19 de dezembro de 2010

Entrevista com a atriz Dulce Baptista da Fundação Sindika Dokolo - Luanda - Angola

Por Nanda Rovere

Dulce Baptista e Meirinho Mendes, artistas que representam a cultura angolana, se juntaram para apresentar ¨As Formigas¨ que com uma montagem tocante fala sobre uma guerra de sentido universal, que pode ser tanto a guerra pela qual Angola passou, quanto à ¨guerras¨ individuais pelas quais passamos em busca do nosso ¨eu¨.

Baseada no conto do francês Boris Vian, que foi publicado em 1949, a obra continua atual, suscitando reflexões sobre os valores humanos e a ética.
A peça esteve em Salvador e Curitiba e foi convidada para a VII Mostra de Teatro de Rua em Mangaratiba.
Dulce é a primeira vez que trabalha com teatro, já Meirinho, seu colega de cena, tem ampla experiência como ator e professor, viajando por diversos países da Europa.
Dulce foi convidada a participar do projeto pelo diretor Rogério de Carvalho e já veio ao Brasil duas vezes, para o Festival de Curitiba e uma apresentação em Salvador, e para a Mostra de Teatro de Rua Rio-São Paulo.
Nesta entrevista, a angolana fala sobre a Mostra em Mangaratiba, a arte em geral, sua impressão sobre o Brasil e aspectos da história e do cotidiano do seu país natal.


Mostra Rio - SP de Teatro de Rua - Como surgiu a oportunidade de participar do espetáculo As Formigas?
Dulce Baptista - Fui convidada porque falo o dialeto mucubal, que juntamente ao português, faz parte da língua falada na montagem.
Moro numa tribo localizada no sul de Angola, que está entre o deserto do Namibe e do Kalahari. Lá, o idioma original foi preservado e se constitui num dos poucos resquícios da cultura angolana após a colonização portuguesa.

MRS - Como surgiu o convite para participar da Mostra e como conheceram o curador Ailton Amaral?
DB - Ele nos viu em Curitiba e nossa vinda foi viabilizada devido ao apoio da Fundação Sindika Dokolo, a qual o meu colega Meirinho é ligado.

MRS - O que pode falar sobre a experiência de participar da Mostra?
DB - Apesar da saudade da família, marido e filho, que ficaram em Angola, estou satisfeita: A Mostra é um momento interessante para a interação entre as pessoas, conhecer gente do Rio e São Paulo e trocar experiências de vida e profissionais. Também proporciona acesso ao teatro a uma população que não tem acesso à cultura.
Como Mangaratiba é uma cidade do mesmo porte da qual resido, me senti bastante à vontade. Sempre me apresentei com As formigas em espaços fechados, fiquei surpresa quando soube que iria fazer a peça na praça.

MRS - Qual o balanço que faz da sua apresentação e como foi a receptividade do público?
DB - Foi um desafio, principalmente porque sou muito tímida; só consegui enfrentar a situação porque já conhecia algumas pessoas e isso me deu segurança. O público prestou atenção na encenação e aplaudiu calorosamente ao final e isso me deixou muito satisfeita.

MRS - Como é a cultura em Angola?
DB - Lá na minha tribo não há tradição de produção artística. As novelas brasileiras é que fazem muito sucesso. Por esse motivo, eventos que promovam o acesso da população à arte são sempre bem vindos. O que dificulta a efervescência cultural é o nomadismo no período das chuvas. Na capital Luanda, no entanto, a vida é muito agitada. Não conheço nada sobre o teatro, mas o angolano é um povo muito musical. O semba, estilo que dizem que tem origem no samba é o mais popular no país.

MRS - Como está a situação econômica do país?
DB - Está em desenvolvimento. O pais passou por uma guerra, mas está se reconstruindo e, apesar das diferenças culturais, é muito parecido com o Brasil. Tem pobres e ricos como aqui.

MRS - O que achou de Curitiba e Salvador?
DB - Me diziam que eu iria gostar da Bahia, mas conhecer Salvador, devido à grande quantidade de negros, não foi novidade para mim. Gostei bastante de Curitiba, das pessoas e da estrutura da cidade, que é muito bonita.

MRS - Novos projetos para o teatro?
DB - Não sei ainda se continuarei fazendo teatro, mas a experiência tanto no Brasil como na França foi de suma importância para o aprimoramento do meu conhecimento e um exercício para enfrentar o medo de falar diante de platéias.

MRS - Nos encontros da Rede Nacional de teatro falou-se muito na internet como meio para se divulgar o teatro de rua. Qual a sua opinião sobre o assunto?
DB - A possibilidade de gravar e registrar uma apresentação de teatro e colocá-la instantaneamente na Internet é uma oportunidade interessante para quem não pode estar nos locais em que os fatos acontecem, conhecer o trabalho dos artistas e opinar em caso de debates ou oficinas.

MRS - Os angolanos são adeptos das novas tecnologias?
DB - Sim, a Internet, por exemplo, faz sucesso entre os mais jovens. Tem-se a idéia de que o país é atrasado, mas ele está se desenvolvendo cada vez mais e as novas tecnologias fazem parte do cotidiano principalmente de quem mora nas cidades maiores.


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